24 de agosto de 2010

O Peso de Cada Catástrofe

Para o chefe dos Médicos Sem Fronteira, vítimas no Paquistão são a prova de que enchentes impactam menos que terremotos
A ajuda é pouca e chega com atraso aos cerca de 20 milhões de paquistaneses afetados pelas enchentes que atingiram o país há três semanas. A comunidade internacional demorou para prestar auxílio ao que a ONU chamou de “o maior desastre humano da história recente”. Mais de3,5 milhões de crianças correm o risco de contrair cólera e o prejuízo à economia foi estimado em US$ 43 bilhões. O governo paquistanês, por mais que tente, não está dando conta do recado e pode sair enfraquecido caso não controle logo a situação. Nessa semana, o Taleban ordenou que os paquistaneses não aceitem nenhum tipo de auxílio de organizações humanitárias ocidentais, aproveitando o caos para aumentar a própria influência nas regiões atingidas pelas inundações. Outro grupo insurgente, o Jamaat ud-Dawa, foi visto distribuindo barracas, comida e água aos desalojados.E a comunidade internacional parece anestesiada diante disso tudo.
Porque, afinal,o Paquistão, diferentemente do Haiti depois do terremoto, não se tornou a causa humanitária do momento? Quem explica é o diretor-geral da organização humanitária Médicos Sem Fronteira em Paris, Filipe Ribeiro. “O Paquistão não conta com uma boa imagem na imprensa internacional”, diz Ribeiro da sede da MSF em Paris em entrevista ao Aliás, por telefone. Taleban e corrupção são as únicas coisas das quais geralmente se ouve falar sobre o país, o que dificulta a mobilização e afasta doadores, explica. Além disso, terremotos, pela violência imediata, causam mais impacto na opinião pública do que enchentes, que destroem em câmera lenta, acrescenta.


Cenário incerto
“O primeiro problema para levar ajuda humanitária ao Paquistão é logístico. A área atingida é enorme, com mais de mil quilômetros ao longo do Rio Indo,que corta o país de norte a sul. O principal obstáculo é o acesso às vítimas. Pontes ruíram e a água ainda está subindo em alguns locais. Não sabemos bem como faremos para chegar até todos os atingidos. O segundo problema é tentar saber o que cada região precisa com mais urgência e levar os equipamentos e suprimentos corretos para cada local. No momento, as situações são as mais variadas: não se pode falar de um cenário uniforme em todo país. Tem gente que perdeu casa, família, tudo, mas tem gente que perdeu pouca coisa.

Experiência de campo
“Uma das condições essenciais para a eficácia da ajuda é conhecer o país em que se vai atuar e sua realidade. Um dos motivos pelos quais os MSF desenvolvem tantas ações hoje no Paquistão é porque já estamos trabalhando lá desde 1988. Conhecemos o Paquistão e os paquistaneses nos conhecem. Isso facilita nossa atuação numa hora destas. Estamos com1.300 pessoas socorrendo as vítimas das enchentes. Desse grupo, cem são estrangeiros. Os demais são paquistaneses que trabalham conosco. Estiveláem2005, quando houve o terremoto no norte, e acho que a aquela situação foi pior do que agora. Só na Caxemira, a região mais atingida, vilarejos ficaram completamente isolados por semanas e mais de 40 mil morreram e 70mil ficaram feridos, de acordo com as autoridades. É difícil comparar catástrofes, pois cada situação é muito particular, mas eu não diria que esta seja a pior situação que já enfrentamos no Paquistão.

Tragédia que não arrecada
“Não está havendo uma mobilização internacional tão forte como em outras tragédias. No Haiti o que se viu foi uma solidariedade internacional importantíssima, tanto de países quanto de indivíduos. No caso particular da França, havia uma proximidade cultural e histórica muito maior com o Haiti, uma ex-colônia. A maioria das ONGs atuantes no Haiti recebeu milhões de dólares de imediato, o que não aconteceu no Paquistão. Isso se dá por várias razões – uma delas, a menor identificação com as vítimas É mais comum os doadores se solidarizarem com vítimas de terremoto do que com vítimas de inundação. Um terremoto é muito mais violento, a destruição é imediata e as conseqüências se estendem por mais longo prazo. Em casos de enchente, a desgraça vem aos poucos.
 
Imprensa apática
“Outra razão para a pouca arrecadação é, sem dúvida, o fato de o Paquistão não ter uma boa imagem na mídia internacional. O que se ouve muito a respeito do país, pelo menos aqui na Europa, é sobre corrupção, Estado débil e o Taleban. Isso não desperta emoção. No Haiti, a reação da mídia foi muito emocional e os meios de comunicação fizeram um chamado ao público para que ele fizesse doações. No caso do Paquistão, a imprensa está pouco atuante.

Politização do socorro
“O Paquistão tem uma situação política difícil, principalmente no noroeste, onde há presença de líderes tribais da insurgência islâmica. Mas, no momento, ainda não tivemos maiores problemas para prestar assistência. Apesar do Taleban ter feito um comunicado para que os paquistaneses não recebessem ajuda humanitária de organizações ocidentais, a MSF não sofreu, até agora, nenhum obstáculo para trabalhar. De toda forma, o Paquistão tem a organização básica e um governo que funciona e com o qual se pode dialogar. Isso facilita o trabalho, pois o próprio Estado também dispõe de recursos para prestar ajuda à população. O que nem sempre é o caso,como vimos no Haiti. As Forças Armadas paquistanesas estão fazendo um trabalho árduo, porém insuficiente. Como sempre acontece numa tragédia dessas, em qualquer país, ainda mais num país estratégico como o Paquistão, há uma politização do socorro. Essa é uma hora em que os interessados na região, sejam EUA, Otan ou Taleban, vão querer mostrar presença e tentar tirar proveito da catástrofe, conquistando apoio da população e poder local.”
(OESP)

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